A vacina foi desenvolvida nos Estados Unidos, no Infectology Disease Res. Institute (IRDI), em conjunto com o Brasil, durante os últimos dez anos. Por lá, ela foi testada em camundongos -- para verificar sua eficácia -- e em cerca de 30 pessoas -- conferindo que não há risco para a saúde. “Sua eficácia é maior do que 70%”, diz o pesquisador Isaias Raw, presidente da Fundação Butantan.
Agora, a vacina será testada em cães por três instituições brasileiras. “O objetivo é verificar a mortalidade e analisar como ela age nos animais”, afirma Antonio Campos-Neto, do Forsyth Institute, dos Estados Unidos. Os testes deverão durar no mínimo um ano. “Com a biologia molecular isso poderá ser feito mais depressa, vamos debater a possibilidade”, explica Raw.
A vacina contra a leishmaniose visceral será produzida em uma fábrica microbiana estimada em R$ 23 milhões -- R$ 5 milhões provenientes do Instituto Butantan. Os pesquisadores acreditam que em janeiro os recursos estejam disponíveis. Se isso ocorrer, a instalação ficará pronta em abril.
Fábrica microbiana
Os pesquisadores identificaram uma proteína, no protozoário responsável pela doença, que pode ser usada como vacina. Eles inserem a informação genética dessa proteína em bactérias. Esses seres, por sua vez, produzem em massa a proteína que dará origem à vacina. A vacina contra a hepatite é produzida usando essa idéia.
Os cientistas afirmam que a vacina é livre de efeito adverso. Assim que aprovada pelo Ministério da Saúde, imediatamente começará a ser produzida. Por enquanto, os pesquisadores não falam em quanto tempo ela estará disponível para a população. Mas o pesquisador Raw brinca: “Tenho 82 anos, pretendo ver essa vacina ser distribuída”.
Haverá uma variação da vacina. Uma será feita especificamente para os cães, que transmitem a doença aos humanos, e outra para as pessoas já contaminadas. “Reduzindo o número de pessoas expostas à doença e tratando as doentes, diminuiremos radicalmente o problema”, explica Raw.
O objetivo é vacinar cerca de 30 milhões de cães do Brasil durante campanha anual de vacinação contra raiva. Mas nem todo brasileiro precisará da vacina. “Moradores do Rio Grande do Sul, por exemplo, onde a leishmaniose visceral inexiste, possivelmente só receberão a dose se apresentarem o problema”, explica.
Para isso a vacina deverá ser submetida ao controle do Ministério da Agricultura, depois de respondidas questões como: quantas doses serão necessárias para imunizar cada cão, por quanto tempo será ativa e qual a forma mais econômica de produzi-la, levando em conta o universo a ser vacinado.
O pesquisador Steven Reed, do IRDI, deverá disponibilizar os lotes iniciais da vacina produzida nos Estados Unidos. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o programa Fapesp – SUS investirão R$ 2 milhões nos ensaios clínicos que serão realizados até meados de 2009, nas regiões de maior incidência da doença.
Entenda o que é leishmaniose visceral
A leishmaniose visceral ou doença de calazar é causada por um protozoário. Pode atingir seres humanos e animais como cães, raposas e até gambás. A transmissão ocorre por meio da picada do inseto conhecido popularmente como mosquito-palha, birigui, asa branca, tatuquira e cangalhinha. Eles picam os animais infectados e transmitem a leishmaniose visceral aos humanos.
A doença acomete órgãos do corpo como o fígado e o baço. Os sintomas mais freqüentes são febre, aumento do volume desses órgãos, emagrecimento, complicações cardíacas, problemas circulatórios, desânimo, abatimento extremo, apatia e palidez. Os doentes podem ter também tosse, diarréia, respiração acelerada, hemorragias e sinais de infecções. Quando não tratada, a doença pode levar à morte até 90% dos infectados.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a leishmaniose visceral uma das seis maiores endemias do planeta por infectar cerca de 2 milhões de pessoas. Na América Latina, 90% dos casos ocorrem no Brasil, especialmente na região Nordeste. Em 2006, 1.810 apresentaram a doença.
Nas últimas duas décadas, a leishmaniose visceral se espalhou de focos isolados no interior do Nordeste para surtos no Norte, Centro Oeste e Sudeste. O estado de São Paulo registra casos em humanos desde 1999. Mas, atualmente, não existe vacina contra ela. O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamento específico feito com uso de medicamentos, repouso e alimentação adequada.